Pular para o conteúdo principal

Sede de ler um bom livro


Hoje, mais uma vez perambulei por uma grande livraria. Fiz o que sempre faço. Pesei meus passos, parei em cada uma das prateleiras. Nas promoções, nas línguas estrangeiras... Nos nefastos livros encalhados do verão passado. Olhei cada uma das capas, li, com e sem interesse cada uma das “sinopses”, já não chamo mais a última capa pelo seu nome, pois só trazem sinopses ou elogios.
O que me move a andar de livraria em livraria todos os finais de semana? O desejo de ler. Mas, não o puro e simples desejo de ler, este eu tive quando era criança. Assim que pude me afirmar nas primeiras sílabas e nas palavras cujo significado eu adivinhava, já sabia, não queria ler qualquer coisa, queria ler um livro que fosse algo. Fico olhando, para estes amontoados de papel com capas sensacionalistas, com títulos sensacionalistas e passadiços... Recheados de autores construídos em alguns dias e destruídos em menos de dois semestres. Fico admirado de ver o ilustre autor que desprezei com toda pompa no verão passado, sendo citado como escritor de sucesso na última capa elogiando o novo imbecil.
Quando chamei a última capa de sinopse, foi por que é assim que chamamos o resumo dos filmes que vêm nas caixas de DVD. Informam mal, são feitos de qualquer jeito, e em geral fazem com que percamos a vontade de ver o filme. Mas o caso dos livros contemporâneos é muito pior, pois consigo elogiar as sinopses. Aqueles cursos para escritores que vemos nos filmes em escolas americanas, enfim, devem ter dado resultado, formaram milhões de seres iguais e que estão tendo cada vez mais acesso à impressão de seus livros. Enfiados num marketing monstruoso, aprendido de Hollywood, agora as editoras lucram, não mais, por lançar um bom autor, mas por causa do numero inicial de obras que são vendidas no lançamento e no barulho que se faz nele.
Mas, você folheia um livro qualquer e todos, não importando o gênero são absolutamente iguais. Insossos, águas paradas e estagnadas que não significam nada. Eu tenho sede de ler um livro, um bom livro. E, assim como quando quero ver um bom filme, sou obrigado a pesquisar muito ou optar por um dos clássicos, cada vez mais estou lendo livros anteriores aos anos noventa. Sou uma pessoa sem tempo, e quando o desejo gastar é com algo que valha cada segundo dele. Parece que o público e os escritores se esqueceram que não basta contar uma estória para ser escritor, é necessário ter uma forma, um estilo próprio de narrar aquilo. Agora, parece que criaram uma forma e estilo que cabe para toda e qualquer estória. Vivemos na literatura a “narrativa clássica hollywoodiana” uma infernal prisão, onde a forma encerra o prazer da imaginação e da novidade.
Cansado de tentar a literatura estrangeira, pois pensei: podemos estar passando uma fase de maus tradutores, ou algum tradutor pegou todos os livros e em seu trabalho os fez todos homogêneos e iguais... Busquei os brasileiros, os novos... Meu Deus!! Eles fizeram os cursos americanos. Um daqueles que diz: qualquer um pode ser escritor!! Até os brasileiros estão usando formulas pra escrever. E, essa geração nova, entupida de seriados americanos, consegue exatamente copiá-los. As únicas coisas que vejo por aí, parecem “A Comédia da Vida Privada”ou “Os Normais” só que por escrito. Sem nenhum menosprezo para com estas ótimas séries, mas série é uma coisa livro é outra.
Sempre que desejo comprar um livro dou uma chance para o autor, abro-o ao acaso e leio um parágrafo ou dois, espero que ele me convença com sua escrita, que suas palavras tenham “peso”, que a sua narrativa não obedeça a lei do progresso de Auguste Conte, que escrevia bem, mas obedeça uma percepção de mundo e de existência que possa contribuir com a minha, ou com a qual eu possa me identificar... Mas atualmente, a sensibilidade foi relegada para os olhos, e quem tem os olhos como prioridade absoluta pode fazer bons filmes, ver boas imagens, mas geralmente não sabe em palavras inspirar sua imaginação. Por que imaginação não é feita apenas de descrições sumárias, é feita de “sugestões” uma palavra pode fazer imaginar mais do que um parágrafo inteiro. Uma reticência, diz mais do que vinte páginas.
O que antes era regra de uma boa literatura, agora é apanágio dos tolos. O que mais se vê são livros imensos e volumosos. Eles naturalmente possuem muito mais de quatrocentas páginas. Você termina de ler um e continua exatamente como estava. Alguém me informe por favor, como mais de quatrocentas páginas podem simplesmente não comover, não influenciar, não envolver de forma verdadeira o espírito humano? Eu tenho uma pequena frustação. Nunca consegui ler “Os trabalhadores do Mar” de Victor Hugo, sabem por quê? A tradução foi feita por Machado de Assis. É a obra mais perfeita jamais concebida. O tradutor criou uma obra completamente nova, que não é mais Machado de Assis e muito menos Victor Hugo. Não consigo ler mais do que algumas páginas por que fico embevecido com cada parágrafo, volto e o releio, sinto a sonoridade, o sentido, o significado, e penso: Meu Deus... como alguém pode escrever assim? É humilhante para qualquer um que tenha tentado ser escritor, ler aquela obra. Uma coisa que de tão forte, impede que se a leia até o fim. Mas, dela, mesmo sem ler eu guardo a experiência. É disso que estou falando afinal. A experiência da leitura. Estão nos retirando um prazer que de outra forma não pode existir.
Enquanto os compradores ficarem boquiabertos com livros volumosos que são escritos por um escritório de escritores com apenas um deles botando o nome no final, ficaremos carentes de autores. Isso está de tal forma preocupante que não consigo citar um autor contemporâneo, seja lá de que país for! Pois eles não têm marcas. Não possuem estilo. Eles não me fazem lembrar de quem eles são, claro, pois não são nada. Mas a idéia não é criticá-los a idéia é só desabafar, pois estou com sede de ler algo e não encontro. Já irei para os sebos, procurar alguma coisa de Gore Vidal, para ler. Acho que ele é o único autor vivo que ainda vale a pena ler. O resto é marketing e capa, isso quando fazem uma boa capa. Pronto, desabafei!!!
Bem, para aqueles que estão carentes de que eu cite algum nome, compreendam, não me lembro deles. Que eu cite algum livro? Teria de abrir alguma livraria virtual... Não, dêem uma volta por uma das livrarias e compreendam o que eu estou dizendo, não vale à pena.

Comentários

Tathynha disse…
Luiz estou até com peso na consciência... ainda mais eu que adoro livros como Harry Potter a O morro dos ventos uivantes... rsrs... nunca tinha parado para pensar como alguns escritores parecem não se importar com o conteúdo e criatividade empregados em seus livros... apenas vejo a sinopse e se gostar compro... e como vc mesmo descreve as vezes nem sinopse e sim outras criticas... rsrs... gostei do seu blog!


http://comedoradelivros.blogspot.com/
Luiz Vadico disse…
Fica com peso na consciência não. Acho que geralmente nós somos meio que carregados por nossos gestos costumeiros e, quando vemos, nossos gestos são honestos, mas os produtos não. Legal ter comentado. abração

Postagens mais visitadas deste blog

Os homens, afetos e desejo - A história não contada. Contexto e lugar de partida - I

O inferno angustiante do desejo Hoje quero refletir sobre um assunto do qual eu deveria saber muito, mas confesso que quanto mais aprendo, menos sei e muito menos acredito. E infelizmente não estou sendo modesto e nem socrático. Quero abordar o tema a partir do ponto de vista de alguém que viveu em outra época e que nela tinha medos, necessidades e expectativas e principalmente, tinha um futuro pela frente com o qual sonhava, mas não sabia o que seria deste tempo. Assim que eu disser a palavra, as pessoas irão abandonar a leitura, imaginando que “lá vem mais um falar do mesmo...” Confie em mim e apenas continue lendo, hoje irei falar sobre as necessidades, emoções, expectativas, vitorias e frustrações dos homens que gostam de homens.   Se não usei o termo socialmente aceito é porque de alguma forma ele está carregado de ideias e informações nem sempre corretas ou interessantes. Pode ser que eu o use mais tarde, mas por ora não.             Acredito que neste texto falo, sobretudo,

Deus - I O Devorador

  Deus me seduzindo            Esse não é um texto para relembrar o passado, mas uma tentativa de descrever o que não pode ser descrito.  Vou meter-me a falar do que não sei. Talvez seja exatamente assim, conhecemos muito e desconhecemos muito mais aquilo que realmente é importante. É como mãe, amamos muito mas às vezes nos damos conta do quão pouco a conhecemos. Entretanto, Deus, como o conheço, foi definido magistralmente pelo poeta indiano Rabindranath Tagore: “Sou um poeta e meu Deus só pode ser um Deus de poetas”. Então, só quem vive profundamente o ser poeta consegue traduzir em si o que isto significa.             Por aproximação tentarei dizer um pouco sobre isso. Uma definição destas não aparece em nosso coração na infância ou na puberdade, surge apenas quando ocorre um amadurecimento íntimo, que não tem idade para ocorrer. Podemos ter uma epifania em algum momento, mas ela só se consolida ao longo do tempo através de outros momentos assim. É como um “dejavu” não tem importâ

Deus III - A sustentação essencial. O que é real? O que é realidade?

  Não dá para ilustrar este texto de forma adequada                 Há muito tempo atrás se alguém discutisse a realidade concreta das coisas e do cotidiano eu mandaria a pessoa “catar coquinhos”. Entretanto as experiências existenciais nos ensinam se permitimos. O tempo passou e tive vários aprendizados que considero importantes. Eles ajudaram a definir minha relação com o mundo e as pessoas. Nestas experiências, e vivências, passei a lidar com um real que é tênue. Perigosamente tênue. O risco de lidar com uma compreensão expandida do real e da realidade é perder o vínculo que torna as coisas entre nós inteligíveis e aceitáveis. Entretanto, não há nenhum caminho, místico ou não, que não passe pela discussão daquilo que nos parece óbvio, e obviamente verdadeiro, irretocável e irrevogável. Então, hoje vou refletir sobre a realidade física e social, vamos desmaterializá-la para só então, falarmos de imaginação. Mas usaremos a imaginação o tempo todo como método para essa discussão.  

Deus II - A dança: Som e fúria

O sagrado pode se manifestar no cotidiano              De todas as coisas sensórias que me envolveram desde sempre o som é uma das mais fascinantes. Trago grudado ao espírito o canto da pomba “fogo apagou” envolto pelo silêncio da fazenda, ambientando a solitude do jovenzinho que sentava-se na improvisada jardineira da avó e olhava longamente para o campo. De um lado o pasto a perder de vista e de outro o cafezal assentado no morro. De um pouco mais distante vinha o som do vento assoprando forte nos eucaliptos, só quem ouviu esta melodia que rasteja pelos ouvidos e dá profunda paz sabe como é a música e o perfume que juntos vem e quando junto deles estamos ainda toma nossa pele a sombra fresca do “calipial”.             Trago no espírito meu pai assoviando. Era um tempo onde os homens assoviavam, e fazer disso uma arte também era parte do seu quinhão. Só com o tempo eu saberia que o som nos afeta fisicamente antes de nos afetar o espírito. O som toca o nosso ouvido, toca fisicament

Os homens, a história não contada. A pornografia e as transformações sociais da AIDS - II

  (Continuo aqui o texto anterior. Passaremos incialmente pelos anos setenta, a televisão e suas influências e chegaremos aos poucos até os anos 90 e as profundas transformações sociais e sexuais que ocorreram na sociedade). Começavam os anos 70 e éramos apenas amigos! Uma das coisas que me passavam pela cabeça quando era menino (05/07 anos) é que eu deveria ter nascido mulher. Mas isso ocorria não porque eu desejasse os homens, mas porque eu era, desde aquela época, bastante caseiro e não queria sair de casa e nem ver pessoas. Depois aprendi a ler e tudo o que eu queria era mais silêncio e menos pessoas. Depois veio a música e aí eu queria ainda mais silêncio e nenhuma pessoa. Mas para um homem essas coisas não eram possíveis. Homens deveriam ficar o dia todo fora de casa trabalhando e fazendo coisas que não gostavam, pois era necessário para sustentar a casa. Então, o Luizinho queria ter nascido mulher para ser “sustentado” e ficar em casa. E eu não achava a vida doméstica tão terrív