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Não vou sofrer por você...


         Hoje foi um daqueles dias de óculos escuros, sabe?! Aquele dia que está lindo, mas cuja claridade ofusca tanto que – para um astigmático como eu – é necessário se perder parte da sua beleza... Acordo sempre cedo e hoje não seria diferente. Nos sábados de manhã, as vezes levo meu carro para passear e aí termino sempre num café na Oscar Freire. Geralmente estou entre os primeiros clientes a se sentarem nas mesas postas na calçada. Lá, peço algo enquanto olho presbiopemente o cardápio. Costumo me dar uma manhã de imprevisível saciedade. Deixo-me levar pelas mulheres e homens bonitos que passam, experimento da sua beleza faceira... aqueles trajes da manhã de sábado... caras de acordei agora, roupas fashionmente desarrumadas, todos numa performance que de tão estudada parece natural. Eu me incluo na mesma categoria. Fui olhar e ser visto, um deleite cheio de vaidades escusas.

         Entre a minha primeira xícara de café com leite (grande) e a segunda um casal sentou-se numa mesa próxima. Pouco depois um menino franzino, moreno claro, atravessou a rua em nossa direção, ofereceu adesivos para o casal, que educadamente não aceitou; veio então lépido em minha direção. Já de longe mostrou os adesivos, aqueles de cadernos infantis, cheios de carinhas fofas e detalhes prateados e dourados, uma espécie de mundo glamoroso sendo vendido por um mendigo... Bem, o que eu faria com isso? Nada. Recusei educadamente, de óculos escuros. Então ele me pediu um trocado. Bem... às vezes recuso, para não alimentar a indústria da exploração infantil, mas hoje não tinha trocado nenhum mesmo. E foi o que eu disse para ele. O menino já estava dando de ombros, quando, por um milagre, perguntei se ele gostaria de um café com leite. Um milagre, por que sou daqueles que só pensam nisso depois que a pessoa já foi embora.

          De imediato ele titubeou e recusou. Disse-me que tinha de vender os adesivos. Aí ele me perguntou: “Você sabe falar inglês?” Eu poderia ter mentido, mas respondi com a mais inteira verdade: “Não, graças a Deus que não!” E sorri. Ele sentindo-se em superioridade já tascou-me um: “What’s your name?” (lê-se uótsorneime). Respondi: Luiz. E ele corrigiu-me: “Não, não é assim! Você tem de responder: My name is Luiz! Se você for pros Estados Unidos eles não vão gostar de você se falar de outro jeito”. Sorri. Na mesa ao lado o casal, interessado na conversa, perguntou a sua idade, e aquele menino franzino, diminuto, respondeu: dez anos. Penso que foi meu segundo choque. Não, choque não, despertar. O primeiro foi no momento que consegui oferecer algo. Senti-me terrivelmente bem, estou fazendo algo por ele, pensei. Este é meu papel. Ao lhe dar atenção, estarei dando algum carinho que ele não tem, isso compensa qualquer esmola... O segundo despertar... Meu Deus! Ele é pequeno demais para a idade. Sub-nutrição?! Genética?! Bem, naquele instante apenas constatação.

        Perguntei-lhe o seu nome, em inglês! E ele me respondeu: Rafael! (claro, aqui é nome fictício, pois se trata de uma pessoa real e menor de idade). Insisti novamente, para que aceitasse o café com leite. Aceitou. Pedi para que se sentasse comigo para que pudéssemos conversar. Ele se recusou, disse que tinha de vender adesivos “Bem, enquanto você toma o café com leite não poderá vender, sente-se”. Ele olhava em volta. Fiquei pensando que talvez algum adulto, daqueles que escravizam crianças, estivesse olhando. Instintivamente olhei à volta, não havia ninguém. Ele muito educadamente disse que ficaria em pé. À essa altura eu já havia feito sinal para a garçonete, para fazer o pedido. Estranhamente ela não atendeu. Insisti, ela não atendeu novamente. Aí eu me viro para ele e reclamo, “é, acho que ela não quer vir...”. Ele diz “deixa comigo”, entra no café. Pouco depois volta sorrindo triunfante.

        Questiono sobre onde ele mora: Guaianazes. É longe: muito longe. Você chega cedo aqui? Às vezes já durmo por aqui mesmo. Você estuda? Sim. Observem o resto da resposta: “mas só posso voltar pra casa e estudar, depois que vender todos os adesivos”. Ele ainda olhava em volta, um misto de timidez e insegurança, estranhamente, não era medo. Já que ele estava em pé elogiei sua camiseta do Mickey, afinal a dele era mais bonita do que a minha, virou-se imediatamente e mostrou que nas costas da camiseta aparecia a bundinha do Mickey! Repleto de sorriso.

            Nesse ínterim, a garçonete trouxe o café com leite. Fiquei aturdido – um misto de choque com paralisia – num copo plástico descartável!! Eu pedi novamente a ele que se sentasse. Ele queria sentar, o papo parecia estar bom. Aí, ele olhou para o copo, e cochichou, como se não pudesse ser ouvido pelas demais pessoas e explicou: “Não posso ficar. O guarda, lá de dentro, me fez um sinal!” Ele imitou o sinal, o indicador levantado. “Tenho um minuto, apenas um minuto para ficar aqui!”. Terceiro despertar. Enchi-me com meus brios de novo magnata recém assumido, e lhe afirmei: Pode se sentar. E frisei as palavras “eu estou te convidando!” Ele apenas disse, “melhor não”.

           Ele notou, sem que eu fizesse nada, que eu estava pronto a fazer uma espécie de cena, se alguém o impedisse de se sentar. Então ele contou: “Um dia uma mulher com a sua filha pequena me convidou pra sentar. O guarda veio e me obrigou a levantar, ele fez um escândalo!!” Dando forte conotação à última palavra. Recheado de minhas convicções neo-burguesas, questionei: E a mulher não fez nada? “Ela se levantou e foi embora, o café perdeu uma cliente...” sorri satisfeito comigo mesmo e com minha perspicácia de classe. Se bem que eu achava que a mulher deveria ter ficado e imposto ao café a presença do menino. Afinal, agora, tratava-se de uma companhia agradável e não mais de um gesto de caridade. Senti meu coração se expandindo de amor pelo moleque. Não por sua mendicância, mas por sua sensibilidade, sutileza e inteligência. Poucas crianças me atraem, e quando atraem, gosto de apreciá-las, ter sua companhia e de alguma forma incentivá-las em seus pequenos projetos de vida.

         Ao mesmo tempo, meu cérebro trabalhava com informações e emoções desconexas. Ora, em outras ocasiões eu adoraria que o guarda me livrasse de pedintes inoportunos, desculpem a redundância e o preconceito, eles sempre são inoportunos para nós que podemos economicamente mais que eles, mesmo por que, são uma multidão. Algumas vezes somos praticamente agredidos, não apenas pela miséria, mas pelos que fazem dela um meio de vida. Delicada a situação do café, do guarda, do menino e a do freqüentador.

           Ligeiramente cônscio da situação, o quarto despertar, senti que eu desejava sua companhia e tinha direito a ela. Insisti novamente para que se sentasse comigo, comesse alguma coisa, sofri por não poder ter o que eu desejava. Novamente, ele me disse um não, muito triste, olhando em volta meio inseguro. Novamente, insisti, por que sou meio devagar: Por que não? Aí, fiquei feliz por estar de óculos escuros, quando o menino me respondeu da forma mais dócil e dolorosa do mundo: “Por causa do escândalo...”

          Eu não consegui dizer mais nada. Tive de segurar as lágrimas que prontamente transbordaram. Doeu. Doeu muito. Numa única frase, ele havia me informado: Não é por sua causa, não é por causa do guarda, não é por causa do café. É por causa da minha condição. Eu serei humilhado novamente se eu me sentar, e eu não quero ser humilhado. Como não chorar diante de uma criança de dez anos que possui uma consciência destas? Necessitei respeitá-lo, por isso me calei. Não proporcionar uma situação de escândalo era o melhor que eu poderia fazer por ele. De todas as coisas que eu ofereci, esta foi a única que ele me pediu: por favor, não faça escândalo, isso apenas me humilhará, e atrapalhará meu trabalho quando eu voltar aqui.

           Ele terminou o café com leite. Saiu correndo atrás de um novo comprador. Não sem antes, pedir novamente um trocado e eu recusar, afinal, eu disse a verdade. Fiquei ali, sentado, vendo de longe a movimentação do menino, que pelo que notei, era habitué do local, tanto quanto eu. Brincava com os guardas. Cutucava um taxista ou outro ali do ponto de taxi. Ganhava algum outro bocado de alguma coisa. Meus sentimentos paternais afloraram. As emoções e idéias revolvendo celeremente em minha cabeça. Gostaria de adotá-lo. Não, ele tem mãe. Gostaria de ajudá-lo a estudar, pagando os estudos... bobagem, eu queria egoísticamente ter um filho assim e não pajear o filho dos outros. Todas as possibilidades que inventei, tinham uma resposta negativa. Ele iria ficar onde estava. O que eu queria na verdade era digerir a sutileza daquele pensamento que me pegou desprevenido, completamente desprevenido, tudo o que ele queria de mim: Não faça escândalo.

             É algo como, “os seus valores... a sua dignidade.. ou a sua performance de todas essas coisas, levarão a mais uma humilhação: poupe-me”. Este foi o quinto e último despertar. Impotente, mesmo quando eu me achava potente. E na realidade afetiva das coisas, e não nos arrazoados cretinos que nos dão, e nos damos no cotidiano, só pude fazer por ele duas coisas, poupá-lo de um vexame e escrever. Sofri ao longo do dia por aquele menino. Não chorei, pois pranto engolido não volta. Mas agora, me passa pela cabeça, de que sofrer por ele, ou com a sua situação, redunda naquilo que ele pediu para que eu não fizesse, “não crie uma situação que me humilhe ainda mais”. Então, não sofrerei por você... Em respeito a você. Sua dignidade exige que eu mantenha a minha. Sua dolorosa consciência do seu lugar social me obrigou ao meu, é terrível ouvir aquela frase se transmutando em diversas outras, com significados nuançados... “se gosta de mim, fique aí...” “ Se me respeita, fique distante...”

             Foi uma conversa entre dois homens adultos. Ao nos despedirmos, apertei sua mão, o que não lhe causou nenhum espanto. Ele me disse implicitamente, “tenho os meus problemas e sei resolvê-los, não os complique”. E eu, sem responder, fiz cara de quem entendeu, entendeu aquilo que não queria entender, mas entendeu. Uma situação sem fuga. Olhando-o senti que não importa o que aconteça, mesmo que sua sensibilidade seja esmagada, eu estava, e estarei no futuro, diante de um ser humano íntegro, aos dez anos de idade. Ainda bem que estava de óculos escuros... inadvertidamente participei do funeral da condição humana. Agora, faço por ele o que posso, comunicar para o mundo o que eu e ele temos em comum, o nosso desconforto.

Comentários

Laura disse…
Texto lindo! Não sei se nós ou o menino precisamos de mais sorte... Bejos!
Luiz Vadico disse…
Valeu, Laura!! Obrigado pelo carinho.
Unknown disse…
Acho que, eventualmente, nossa rotina diária (ou semanal) deveria ser quebrada justamente por algo, ou por um fato, que nos dê essa sacudida tipo Ana Maria Braga: “Acorda menina (o)!!!” ou em um despertar de sentimento de choque, conforme relata nosso querido Prof. Vadico. A vida está aí para que tomemos alguns choques mesmo. Choques estes que, muitas vezes, nos deixam menos “cegos”. Agora se é menos “cegos” para toda a vida, eu não sei, mas que é para um determinado momento, ah! isso é fato!

Prof. Vadico, parabéns por este relato. Texto impecável, como não poderia deixar de ser. Gostaria de dar destaque, principalmente, ao trecho: “Ainda bem que estava de óculos escuros... inadvertidamente participei do funeral da condição humana”....fantástico!!!

Forte abraço!
Marcos A. Brandão
Luiz Vadico disse…
obrigado pelas palavras Marcão!! Ainda estou lidando com o fato. Abs
Geraldo Lima disse…
Caro mestre, seu texto e sua experiência pedem um roteiro. Isto precisa ser um curta. Afinal cinema é na essência o canal maior de divulgação da condição humana, seja ela boa ou má, mas que acima de tudo nos traga o "desconforto" que dispara muitas vezes uma mudança. Vamos fazer??
Forte abraço e parabéns pela sensibilidade !
Luiz Vadico disse…
Obrigado pela leitura Geraldo. Fazer um curta? É uma idéia... vamos cevando ela. Abs
Karyna disse…
Sensivel, comovente e ao mesmo tempo chocante. Adorei, Vadico
Luis Tadeu Dix disse…
Em uma de suas falas, Jesus explica que o Espírito assopra a hora que quer, onde quer, para quem quer. Só encontrei essa razão para o encontro seu com o menino. (daria uma linda sequência de um filme, bem como para sua vontade de dividir esse momento conosco.
Dar os parabéns pelo texto? Não,mas quero te agradecer por ter despertado esse sentimento em nós.
Tadeu Dix
Denise disse…
Muito interessante essa história (e triste ao mesmo tempo). Parabéns pela sensibilidade. É raro encontrar um texto na internet que consiga prender a atenção por tantas e tantas linhas!
Unknown disse…
Belíssimo texto, cheio de emoção e com muita verdade expressada. Parabéns
Unknown disse…
ADOREI O TEXTO...ACOMPANHO SEUS TEXTOS A UM TEMPO JA, TEM VARIOS Q MARCARAM MINHA VIDA...E ESSE COM CERTEZA VAI SER MAIS UM..MEUS PARABENS CONTINUE SEMPRE ASSIM, VC TEM ESSE DOM DA ESCRITA, DE TRANSFORMAR SENTIMENTOS EM TEXTOS..MAIS UMA VEZ PARABENS
Luiz Vadico disse…
Valeu, Xande! Obrigado pelo recado! Vc não sabe como é bom para quem escreve ter o retorno dos amigos. Um grande abraço
Anônimo disse…
Demais cara, adorei (:

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