Na
antiguidade, um grande Senhor caminhava por sua propriedade, cheia de escravos
vindos de toda parte do mundo, e se deparou com um deles. Este se mostrava
cabisbaixo e parecia meio sem ânimo. O Senhor, tendo-se na conta de um bom
homem, perguntou-lhe:
-
Por que tu pareces tão infeliz?
O
escravo mal encarou-o e foi se lamentando:
-
Ah, Senhor! Falta-me a liberdade...
Este
argumentou:
-
Ora, foste feito prisioneiro após uma batalha, assim como todos os teus. E tiveram
a chance de se defender e perderam. Parece justo que agora me sirvam, não?!
Refletiu
um momento o escravo e respondeu:
-
Sim, parece justo, pois se houvéssemos ganhado a batalha tu serias nosso
priesioneiro e nosso escravo.
-
Ainda assim, diferentemente de outros senhores, vos deixo andarem livres sem
correntes, apenas trazem ao pescoço o colar de ferro que indica que são de
minha propriedade.
O
escravo, tocando o colar, comentou:
-
Este colar é muito pesado, meu amo. Lembra-me de tudo quanto perdi.
-
Mas se concordas que tua condição não é injusta, o que perdeste, perdeste.
-
Ainda assim, é uma condição muito dura.
O
Senhor, que nem era de todo mal, meditou um pouco, e falou:
-
Todos vós deveis trabalhar, mas que dirias se aqueles que se destacassem no
trabalho recebessem um colar de outro metal, mais belo, mais leve, e quem sabe,
até mesmo com pedras preciosas?
-
Ainda assim, eu não seria livre. Respondeu o escravo.
-
Mas se eu te libertasse, outro te faria prisioneiro. E ainda que libertasse a
todos, outros os fariam escravos. Tu não estás na tua terra. E, ela nem existe
mais. Por que não ouve meu conselho?! Mais vale um colar menos pesado do que o
mesmo colar de ferro de sempre.
O
escravo, pensou e pensou. Olhou à sua volta. Percebeu que as condições de
trabalho eram difíceis, mas poderiam ser piores. E se fugisse, poderia até
mesmo ser morto. E pior do que isso, sem a sua distante terra, poderia ficar
jogado à natureza sem ter ao menos o que comer; a sua comida era ruim, mas
ainda era comida. E, por fim concordou:
-
Não seria tão ruim um colar mais leve.
O
Senhor, satisfeito com sua própria bondade, foi logo propondo:
-
Então, trabalhe mais! E se mostre feliz com o seu trabalho! Realizado isso, lhe
darei um colar melhor.
Os
dias passaram rapidamente e o escravo trabalhou sorrindo na sua dura lida na
lavoura. Os seus outros companheiros perceberam a mudança e lhe perguntaram por
que trabalhava assim. Ele lhes contou a proposta do Senhor. Quase imediatamente
todos colocaram um sorriso no rosto e se puseram a trabalhar ainda mais.
Depois
de um bom tempo, o Senhor, vendo o trabalho de todos, foi até o primeiro e
trocou o seu colar de ferro por um de cobre, muito mais leve. E ainda lhe falou
benevolente: Este, tu podes polir, e ele ficará lindo brilhando!
O
escravo ficou muito feliz, e logo saiu exibindo a todos o seu prêmio. E logo
passaram a invejá-lo. No entanto, em pouco tempo o Senhor também os premiou.
Sempre cumprindo a sua promessa. E agora lhes prometia que o colar podia ser
ainda melhor. Em pouco tempo os escravos se tornaram pessoas diligentes,
disciplinadas, propondo novos métodos, novas formas de aumentar a
produtividade, os rendimentos, etc. E iam assim, ganhando novos, estranhos e
extravagantes colares. E todos iam se exibindo, achando cada um o seu mais
bonito do que os dos demais.
Ao
longo de alguns meses e depois de anos, o escravo acabou por fim, com um colar
muito mais pesado que o original. Este era imenso, de ouro, cheio de pedras
preciosas. Machucava o seu pescoço, mas ele não cansava de mostrar a todos o
objeto maravilhoso. Mal conseguia carregá-lo, pois estava exausto por tanto trabalhar. Suas responsabilidades
quase matavam-no. E o soutros escravos ao invés de o dissuadirem de tanto
trabalho, apenas o invejavam, e trabalhavam ainda mais, buscando o sucesso
reluzente de um novo colar.
Alguns
deles chegaram até mesmo a organizar disputas para saber quem tinha o mais belo
colar. E os que ganhavam o prêmio pela beleza das suas correntes, sentiam-se
ainda mais incentivados a terem o melhor
colar do mundo.
Um
dia chegou um filosofo na grande propriedade. E pregou e ensinou sobre a
liberdade para todos. Falou dos seus valores. Da grandiosidade da vida. E até
se assustou, pois o grande Senhor, também veio ouvi-lo, e achou que este acabaria por o expulsar dali. Ao
invés disso este o ouvia com muito prazer, pois era um bom Senhor.
Por
fim, o Filosofo, perdendo um pouco da sua paciência socrática, em meio a uma
multidão de escravos, disse:
-
Vós sois maioria, por que não vos revoltais? Por que não vos tornais livres?
Houve
um certo burburinho. E, por fim, os escravos decidiram expulsar o homem, mas
não sem antes lhe informarem:
-
Se fossemos livres, quem nos daria sempre tão belos colares?!
-
Mas vós serieis livres! Poderiam ter vossas próprias terras para arar!
Escolheriam vossas esposas e esposos! Teriam filhos e estes seriam livres!
-
Tudo isso já temos! – respnderam-lhe. Terras para arar! Esposas para cuidar!
Filhos para seguirem fazendo o mesmo! Tu ofereces o imenso vazio, enquanto o
nosso bom Senhor nos dá prêmios sem fim!
Aí,
o filosofo, se sentindo esperto lhes informou:
-
Mas os colares não vos pertencem! Como tudo, são do seu Senhor!
Ao
ouvirem essa declaração, os escravos não tiveram a menor dúvida, mataram o
Filósofo, que morreu dizendo: “Como pode o maior bem ser trocado por um bem
qualquer?!”
O
Senhor, ficou chocado com a atitude dos seus servos, mas compreendeu-os, pois
isso era l[ógica pura. Eles continuaram satisfeitos com um colar melhor, e
rindo do fracasso daqueles que não tinham mais forças para consegui-los.
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